Padrões da recuperação econômica
A recuperação econômica vai depender muito do consumo de americanos, de alemães, de japoneses e de ingleses |
A IMPRENSA tem chamado nossa atenção para a comemoração de um ano do colapso do banco Lehman Brothers e que jogou a economia mundial no limiar de um precipício. Esse evento, devido aos seus efeitos sobre a vida de milhões de seres humanos, será certamente incorporado à nossa história. A lista de heróis e vilões de nosso passado vai ganhar os nomes de atores maiores e menores desses acontecimentos.
Na sua tarefa de informar, a imprensa internacional tem lembrado pequenos e grandes dramas vividos por pessoas comuns e que foram apanhadas no turbilhão financeiro iniciado em Wall Street. Mas esse não é o objetivo deste espaço da Folha. Para mim, o colapso do Lehman Brothers é um fato superado e hoje me preocupo com as questões voltadas para o crescimento nos próximos anos.
Vivemos um período de recuperação da atividade econômica em praticamente todas as regiões do mundo. Em relação a 2010, assistimos a uma repetição tediosa de revisões -para maior- das expectativas de crescimento. Existe um clima de quase otimismo no ar. As cassandras do colapso inevitável das principais economias de mercado balbuciam -sem o sucesso do passado- advertências contra a euforia exagerada.
A recuperação das principais economias de mercado segue três padrões bastante claros. Um primeiro grupo -do qual nosso Brasil faz parte- retoma o crescimento de forma saudável. As fontes de dinamismo são internas e pouco dependentes da demanda de países no centro da crise mundial. A Austrália me parece outro exemplo claro desse grupo. A economia desses países deve crescer perto de seu potencial já na virada do ano de 2010. Somente um novo colapso das economias mais ricas pode comprometer esse cenário no curto prazo.
Um segundo grupo -do qual a China é o exemplo mais importante- incorpora países que estão retomando o crescimento com base no dinamismo interno de seu setor privado, mas que dependem ainda de um forte estímulo de gastos do setor público. No caso chinês, são as obras de infraestrutura que, ao substituir as exportações para os países ricos como polo dinâmico da economia, preservam o nível de gastos e de demanda interna.
Finalmente, um terceiro grupo, formado pelas economias mais ricas (G7), apresenta maiores riscos associados à sustentabilidade do crescimento. Nesses países, o ajuste de gastos dos consumidores tem sido mais profundo e o corte na disponibilidade de crédito mais acentuado do que ocorreu nas economias dos grupos anteriores.
Além disso, a situação fiscal do governo e o crescimento da dívida pública nos próximos anos limita em muito a manutenção dos estímulos fiscais -hoje, parte importante da recuperação da economia- por um prazo mais longo. Os riscos de uma recaída na recuperação em curso -chamada pelo mercado de Double Dip- são razoáveis em países como os Estados Unidos, o Japão, a Alemanha e a Inglaterra.
Nos próximos meses, todos os olhos do mundo financeiro estarão voltados para o nível de gastos dos consumidores nessas economias. Com a recuperação da produção em curso, se os consumidores não voltarem a gastar nos próximos meses, teremos um novo acúmulo de estoques e, em seguida, uma nova queda no ritmo de atividade. Dada a importância das economias desse grupo, um novo recuo pode comprometer a retomada do crescimento no resto do mundo.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).