Tuesday, November 14, 2006

Educação Financeira também empobrece

Analisando o mercado de crédito no Brasil, deparamos com um cenário intrigante. O endividamento do brasileiro está em níveis recordes, com mais da metade da população preocupada – deveria estar – com compromissos a saldar nos próximos meses com uma financeira ou um banco.
Nunca tivemos uma massa tão grande de devedores, muitos deles sem ter a real dimensão de seu problema pessoal e de suas conseqüências futuras. De servidores públicos a empreendedores, trabalhadores braçais a executivos, jovens a aposentados, é difícil encontrar algum grupo social livre de apertos financeiros. O uso do crédito vem aumentando em termos quantitativos, porém está longe de crescer também em qualidade. É notável, por exemplo, o volume de aposentados com dificuldades para liquidar os compromissos assumidos a partir da onda do crédito consignado fácil iniciada no ano passado. Você já reparou como os grandes bancos discretamente recolheram seu material publicitário desse produto?Por outro lado, temos também um grau de educação financeira sem precedentes, com orientações sobre organização financeira e investimentos distribuídas por incontáveis veículos de comunicação, orientação nas escolas, nas empresas, cartilhas distribuídas por bancos e grandes eventos sendo realizados nas principais cidades. Há uma aparente contradição entre a abundância de informação e o crescente mau uso do crédito.
Cabe lembrar que nossa classe média está mais rica, tanto em função da participação das mulheres no mercado de trabalho, que aumentou sensivelmente os ganhos das famílias, quanto em função dos incontáveis programas assistencialistas oferecidos às classes D e E no Governo Lula.
O brasileiro de hoje ganha mais, consome mais e está muito mais endividado.O fato é que podemos observar no mercado de crédito o efeito que vem polarizando a riqueza entre os brasileiros há décadas: quem tem menos, está empobrecendo; quem tem mais, está enriquecendo. Enquanto uma parte da população usa melhor os serviços financeiros e enriquece mais rapidamente, a outra parte vê cada vez mais distante seu sonho de fazer parte de uma classe mais rica.
A educação financeira realmente cresce em nosso país, porém cresce entre a classe média que não só tem acesso à informação, mas também consegue criar as condições para digeri-la. Em outras palavras, é uma educação para a elite bem informada.A conseqüência não é das mais positivas.
Diante de uma parcela da população mais bem esclarecida, bancos e financeiras oferecem produtos mais complexos que atendam às novas necessidades, porém esta maior complexidade dificulta o acesso do cidadão comum, aquele de educação precária e acesso limitado à informação. Some-se a este efeito a voracidade das instituições financeiras em abocanhar as fatias remanescentes de novos públicos consumidores, com estratégias de marketing e comunicação extremamente convincentes, como observamos no boom do crédito consignado.Se nada for feito, nossa vergonhosa desigualdade social continuará aumentando, independentemente de melhorias de indicadores como renda per capta e crescimento do PIB.
O caminho para reverter esse quadro é viável e recompensador, mas requer uma mudança de atitude na sociedade. Há muito tempo, defendo nesta coluna os efeitos positivos de se falar mais sobre dinheiro. Mas, além de incentivar o bom uso do dinheiro entre pessoas do círculo pessoal de relacionamentos, teríamos um efeito multiplicador muito mais poderoso se nos propuséssemos a falar sobre dinheiro e enriquecimento com aqueles que possuem menos. Um hábito bastante recorrente que tenho é o de lançar um comentário como “você viu como o pessoal anda endividado?”, sempre que há a oportunidade de puxar conversa com alguém que me presta um serviço.
É assim que descubro que porteiros, faxineiros, zeladores, manobristas, motoristas, instaladores de cortinas e diversos outros profissionais estão com problemas financeiros graves. E é assim também que crio a oportunidade de oferecer sugestões simples, como refinanciar um automóvel, sentar para conversar com o gerente do banco para organizar as dívidas ou então contratar um plano de previdência privada.A informação existe, mas precisa ser multiplicada.
O risco do mercado diminui como um todo se os participantes desse mercado usam melhor as alternativas de crédito. Não há como alguém sair perdendo se houver incentivo para que famílias saiam da linha da pobreza de maneira inteligente, ao invés de sair com assistencialismo. Você já pensou em ajudar alguém a sair do vermelho hoje?
Artigo escrito e enviado por Gustavo Cerbasi, consultor financeiro e professor da Fundação Instituto de Administração, sócio-diretor da Cerbasi & Associados Planejamento Financeiro e autor dos livros Dinheiro – Os segredos de quem tem e Casais Inteligentes Enriquecem Juntos, ambos pela Editora Gente.

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