Monday, April 30, 2007

A dívida social e seus credores... uma resposta!

por Erich Vale

Demógrafos renomados como Paul Ehrlich são freqüentemente criticados quando afirmam que há "excesso de gente no mundo". A idéia (neo)malthusiana parece acertada, pelo menos no caso brasileiro. Mais do que "gente demais", perece que ainda tropeçamos na dissimulação política por aqui. Por exemplo, na reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, realizada em 25/04 no senado, foi apresentado o projeto do Sen. Demóstenes Torres, que propõe a ampliação do número de horas oferecidas pelas escolas públicas, projeto chamado de “Escola em Tempo Integral”. A maioria é favorável a aprovação da medida, ainda bem! O impasse está sendo discutido apenas no que se refere à disponibilidade de recursos para implementar a medida. Sim, esta sem dúvida é uma boa discussão. Porém, via de regra, a justificativa gravita em torno do seguinte argumento: “Trata-se de um problema de prevenção e combate a criminalidade”. Talvez os senhores senadores entendam que haverá uma melhoria nas estatísticas de segurança pública, pelo fato de retirar das ruas os menores suscetíveis a iniciar uma vida de crimes. Talvez sim, mas esta medida ainda que percebida como um mecanismo de “afastamento” dos jovens das ruas, provavelmente vai de encontro a um problema "recente" na história do Brasil. Algumas pessoas apontam que a qualidade do ensino no Brasil já foi muito melhor. Deve ser verdade!(?) O fato é que quanto mais se universaliza um serviço, no curto prazo, mais se perde em qualidade, talvez porque a estrutura apresente rendimentos decrescentes. De todo modo, tomemos a primeira justificativa acertada. Segundo a Senadora Ideli Salvatti, “quanto mais se gasta com educação menos se gasta com segurança pública”. É no mínimo estranho a motivação política de cuidar do custeio da escola calcado basicamente na criminalidade. Precisamos sim, de mais investimentos e incentivos para a educação. Sobretudo, precisamos também repensar o ensino público no Brasil. Nesse caso, trata-se do ensino fundamental, e algumas alegações com prazo - por exemplo - “livrar o país de suas conhecidas mazelas até 2022” vão de encontro com a minha percepção de que não haverá mudança significativa no sentido de reduzir a “favelização” dos grandes centros, reprodução da pobreza com maior privação da população de renda mais baixa e dos indicadores de bem-estar. Isto se deve porque, as exigências de especialização para o mercado de trabalho são vorazes, e parece ter um mecanismo autônomo de aceleração. Será que estou me aproximando dos (neo) malthusianos, ou, acredito que o “exército industrial de reserva” é efetivo?! Assim, apenas uma minoria (a mesma?) da população continuaria capaz de arregimentar tais competências. É o caso onde melhora-se a base e se esquece que o topo avança em velocidade maior e com melhor direcionamento. Repensar o ensino é fundamental para melhorar a condição da população menos favorecida. É preciso promover mecanismos de recompensa e promoção social visível, no sentido de funcionar como estímulo a adesão do ingresso no sistema. Se a escola pública é acessível a todos, porém é percebida como um organismo que oferece um produto “de baixa qualidade”, logo é insuficiente para garantir alguma ascensão social. Não me admira que muitos continuam a aderir ao crime, simplesmente por que comparam os benefícios e os riscos de estudar sem vislumbrar uma saída. Por fim, falar de concepção materna/paterna responsável é compreender parcialmente as reais escolhas que tem os que estão na base da pirâmide. Diria que todos respondem mais prontamente a estímulos, principalmente os mais carentes.

A dívida social e seus credores

Segunda-feira, 30 de Abril de 2007
por Mario Cesar Flores

O Estado de SP, 23 de abril de 2007

Estudo recente da ONU atribui altos índices de desenvolvimento humano a países de população pequena: Noruega, Irlanda, Dinamarca, Suécia e uns poucos mais - entre eles Canadá e Austrália, ambos com população modesta à vista de seus territórios e recursos. Seus padrões demográficos ajudaram a construir aqueles índices e ajudarão a mantê-los no mundo pós-industrial, do conhecimento, incapaz de gerar abundância de empregos. Em países populosos bem sucedidos - EEUU, onde a imigração pesa no aumento populacional, Japão e alguns europeus - a natalidade caiu e há até casos de decréscimo, de que resultarão problemas previdenciários no maior prazo. Como se situa o Brasil no quadro?

Até 30 anos atrás o forte aumento da nossa população era apoiado em duas idéias: a da ocupação territorial inerente à doutrina de segurança nacional da época e a da associação do progresso de país extenso à população grande, vista como mercado interno naturalmente grande. Ambas equivocadas: população grande só ajuda a segurança se atendidos os quesitos de preparo e satisfação social solidária; e o mercado interno só é realmente grande se o perfil de renda assegurar poder aquisitivo à maciça maioria do povo. No Brasil a base da pirâmide, além de mercado precário, é problema social vulnerável à propaganda consumista indutora de necessidades desnecessárias e desvios comportamentais, do endividamento irresponsável ao delito, como fonte de renda para atendê-las.

O aumento da população sem desenvolvimento com qualidade, diferente do mero crescimento econômico útil ao capital e seu trabalho incluído, é socialmente discriminatório, haja vista que decênios de bom crescimento econômico não foram tão felizes no social, culturalmente mediocrizante e ambientalmente predador. Prejudica a união social-nacional (a eleição de 2006 sugeriu isso) em razão das diferenças sociais e regionais, produz migração interna desordenada e favelização aviltante, induz o assistencialismo - anestesia que insensibiliza sem curar as razões de sua necessidade, insustentável por muito tempo -, subverte a religiosidade com fantasias míticas e contribui para a banalização do desrespeito à lei, em clima de hipócrita tolerância societária. Finalmente: fragiliza a democracia porque a massa ressentida tende a ser receptiva ao salvacionismo populista.

Não se trata aqui de preocupação (neo) malthusiana: progresso e produção houve, há e haverá, potencial para população até maior o Brasil tem. Mas reportando ao passado para entender o presente: difícil teria sido o desenvolvimento sadio, combinando liberdade política, crescimento econômico, redução do descalabro social e cuidado ambiental, com a população crescendo além da capacidade de investimento público e privado, de 30 a 180 milhões de 1930 a 2000: educação, saúde, habitação e saneamento, energia, transporte, investimento gerador de empregos, para quatro Argentinas em 70 anos… Políticas corretas e oportunas poderiam ter reduzido as dimensões do problema atual, mas é improvável que o tivessem resolvido de todo.

A natalidade vem caindo há pelo menos 20 anos e já se aproxima de índice razoável, com forte contribuição dos estratos médio e superior da pirâmide social; embora menos, também da base, onde é alta a maternidade precoce. Mas os efeitos do passado fértil prolongar-se-ão por algum tempo, agravados pela exigência de produtividade na economia moderna, que condena o trabalho mal qualificado ao subemprego e à informalidade, comumente exercida na ilegalidade. Mais ainda no processo necessário à redução do hiato que nos separa do primeiro mundo, de ascensão da economia de baixa tecnologia à de maior valor agregado, que precisa de menos gente mais bem preparada - problema só parcialmente superável no número, mantido o requisito preparo, pelo desenvolvimento multiplicador da oferta de emprego.

O atrazo fordista no relógio socioeconômico e seus artifícios por vezes aventados, menos tecnologia e menor jornada de trabalho, com mais gente trabalhando, prejudicam a competitividade e a aproximação do mundo mais desenvolvido, salvo se adotada a contenção dos salários e da proteção social, com risco de turbulência e necessidade de controle autoritário. Poderia a China ser o que está sendo, com eleições, imprensa e reivindicações sociais livres, direito de greve e cultura consumista intensa? A combinação de seu progresso econômico com a redução do aumento populacional e a melhora do nível educacional vai gerar pressão social que, mais dia, menos dia, chegará à revisão do seu modelo autoritário e à maior presença daquelas virtudes democráticas, segurando a economia em ritmo menos intenso do que o atual.

O resgate da nossa dívida social exige ação do Estado na saúde, habitação, saneamento e educação, essa decisiva para o emprego digno no mundo moderno. Mas a ação estatal precisa ser ajudada pela atenção à natalidade e há espaço democrático para campanhas de esclarecimento na escola, mídia e organizações comunitárias, complementadas pela oferta de facilidades anticoncepcionais. Embora o passado deva prosseguir influenciando negativamente por algum tempo, o senso de paternidade / maternidade responsável é indispensável para evitar que o resgate seja prejudicado pela lógica circular perversa, em que o aumento do número de credores cerceia a melhora da situação e pereniza a dívida.

Em suma: a paternidade / maternidade responsável é condição para que no maior prazo o tão falado crescimento possa ocorrer com significativa elevação da qualidade de vida da base da pirâmide e a conseqüente redução do desrespeito epidêmico à lei, das agressões socioambientais e do descompasso entre inclusão política e social – essa, uma redução necessária à cidadania política protegida das injunções da miséria e ignorância, deformadoras do processo democrático.