Wednesday, August 23, 2006

Medalha Fields 2006 (1)

Grigory Perelman adora os enigmas matemáticos mas não gosta de honras

O investigador russo terá resolvido a conjectura de Poincaré, um quebra-cabeças com mais de 100 anos. Isto poderá valer-lhe a medalha Fields, que será concedida amanhã em Madrid

Enquanto alguns correm atrás de honras e dos media para construirem uma imagem, ele amua-os e ignora-os. Soberbamente. Grigory Perelman, 40 anos, cabelos raros e barba crescida, os olhos no vazio sublinhados por espessas sobrancelhas, está algures. Num universo onde muito poucos abordam: a topologia.

Esse mundo o Matemático do Instituto Steklov de São Petersburgo, domina perfeitamente e seus trabalhos podem lhe valer de receber, amanhã, dia 22 de Agosto, em Madrid, na cerimónia de abertura do International Congress of Mathematicians, a medalha Fields. Uma espécie de prémio Nobel da Matemática concedida todos os quatro anos à um Matemático com menos de 40 anos - ele os fez no dia 16 de Junho.

Se Grigory Perelman aparece este ano como possível candidato, foi porque ele teve razão num enigma com mais de cem anos - a conjectura de Poincaré - sobre a qual gerações de Matemáticos se debruçaram. O desafio é tão grande que o Clay Mathematics Institute fez, no ano 2000, desta conjectura um dos "sete problemas do milénio". Cada um deles vale para aquele que os resolver uma bolsa de 1 milhão de dólares.

Única preocupação, Perelman não é um Matemático como os outros. Como os seus colegas, ele ama a disciplina, mas não se embaraça dos rituais que a regem. Enquanto outros apresentam os seus resultados inteiramenete finalizados, submetido ao julgamento dos seus pares e publicados em seguida em prestigiosas revistas, ele prefere publicar na Web algumas notas escritas no papel. E como ele costuma desaparecer sem prevenir porque ele prefere as florestas russas aos homens, os debates são pouco fecundos.

Em Novembro de 2002, ele escreve à um site da Cornell University (arXiv) algumas indicações deixando a entender que a conjectura de Poincaré não é mais um problema. Ele fornece só algumas pistas baseado nos trabalhos mais antigos de Robert Ricci e mais recentes de Richard Hamilton. Mas a sua prosa não é uma demonstração precisa. No entanto este primeiro correio tem o efeito de uma bomba.

Depois, no princípio de 2003, Grigory Perlman envia dois novos correios onde ele afirma explicitamente que ele tem a solução. Esses textos não têm, mais uma vez, mais precisões. O russo demonstra que ele tricotou bem um pull, mas ele não fez nem a gola nem as mandgas, deixando à outros esse trabalho. "Os seus artigos são difíceis de ler, testemunha um Matemático num fórum de debate na Net. Eles não têm provas de muitas afirmações. Perelman pertence à categoria de matemáticos que não têm tempo para escrever os detalhes. Um pouco como os artigos de Alain Connes [investigador francês que recebeu a medalha Fields em 1982], que continha muito poucos detalhes de cálculos e de coisas elementares.

Ele não reclamou ao Clay Mathematics Institute o milhão de dólares que deve recompensar o "vencedor" da conjectura. "Ele não quer saber", comenta um dos seus pares. Ele já rejeitou propostas das melhores universidades americanas - Stanford, Priceton - e recusou, em 1996, o Prémio do jovem Matemático concedido pela Sociedade matemática européia? De facto, "ele vem, explica as coisas, e tudo está dito, conta Michael Anderson, da Universidade de New York. Tudo o resto é supérfluo."

Será desprezo? Certamente que não. Grigory Perelman faz as coisas como ele entende, depois deixa à outros o cuidado de juntar as peças do seu puzzle, ou seja, de por no lugar aquelas que ele pensa serem triviais. Das suas notas na Net responderam centenas de páginas de equipas de Matemáticos americanos, espanhóis, franceses e asiáticos.

Resta que se o Matemático misantropo de São Petersburgo se torna, esta terça-feira, no ganhador da medalha Fields, existem poucas hipóteses que ele faça a honra desse prémio tão concorrido.

Elementar, meu caro Poincaré

Foi em 1904 que Henri Poincaré, um dos maiores Matemáticos de seu tempo, imaginou a conjectura que tem o seu nome. Sua formulação, inacessível ao comum dos mortais, se enuncia assim: "Consideremos uma variedade compacta V em 3 dimensões sem fronteira. É possível que o grupo fundamental V seja trivial mesmo V não sendo homeomorfo à uma esfera de dimensão 3?"

Elementar, não? E, como nota a enciclopédia online Wikipédia, "a questão é saber se toda 3-variedade fechada, simplesmente conexa e sem fronteiras é homeomorfa à uma esfera", o que esclarece de repente o assunto.

Mas fazendo uma trégua na brincadeira, isto não faz esquecer que a Matemática está em todo lugar. Nas nossas finanças, como nos nossos carros, na Física Quântica como na Biologia, nos jogos como nos aparelhos numéricos de fotos, etc.

Nota: Tradução de um extracto da notícia publicada no jornal "Le Monde" de Domingo 20 - Segunda-feira 21 de Agosto de 2006.

Retirado do BLOG "Desafios Matemáticos" - http://matematica.over-blog.com/
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