Rosa Parks, falecida ano passado, era pouco conhecida no Brasil. Não me recordo de haver estudado bem a história dos EUA, uma ex-colônia como o Brasil, em minha estadia no ensino pré-universitário. Só fiquei sabendo de sua importância ao ler um pequeno texto de Thomas Sowell. Afinal, quem foi Rosa Parks?
Em 01 de Dezembro de 1955, nos EUA, Rosa Parks encontrava-se sentada em um ônibus do transporte público, quando o motorista exigiu que ela se levantasse para ceder o lugar a um passageiro branco. Ela se recusou e seu gesto foi um símbolo do início da reação norte-americana contra o racismo que existia, principalmente, no sul do país. Sowell nos lembra que transporte público era coisa recente no país, uma invenção do governo no final do século XIX. Mais ainda, na mesma época, os negros perderam seu direito ao voto:
Between 1890 and 1910, many state governments prevented most blacks from voting by various techniques, such as poll taxes and literacy tests. (These could be waived for whites due to grandfather
clauses. It is estimated that of 181,000 African-American males of voting age in Alabama in 1900, only 3,000 were registered to vote. http://en.wikipedia.org/wiki/Jim_Crow_law
Apesar da ação governamental racista, muitos donos de empresas de transporte protestaram contra a segregação nos ônibus. Lembra-nos Sowell que não havia apenas motivos altruístas para este empenho, mas sim o desejo de obter lucros. Como disse Adam Smith, a prosperidade social é gerada de forma eficiente
pelo desejo de lucro.
Isto não quer dizer que o setor privado seja sempre marcado pela presença de pessoas não-racistas. E nem que o setor público seja ocupado apenas por tais pessoas. O ponto importante é que a discriminação racial, se levada ao mercado político, causa danos maiores à sociedade do que se permanece apenas nas preferências individuais dos racistas. Por que? Porque o racismo, no setor privado, pode gerar menores lucros: deixo de empregar pessoas negras porque sou racista, independente de sua produtividade. Já se a discriminação é feita lei, toda a sociedade deve se conformar a ela, o que potencialmente gera mais conflito e violência. No Brasil, a história mostra que a intervenção do Estado na vida das pessoas não foi diferente: o tráfico de escravos foi aprovado e abençoado pelo governo imperial durante anos. Note bem, não é que a escravidão não possa ser lucrativa ou mesmo melhorar as condições materiais dos escravos, o argumento é que uma lei discriminatória impõe a discriminação independente das condições materiais da sociedade o que, independente de qualquer outra coisa, é moralmente repugnante (para um liberal, claro).
Em anos recentes, diversas universidades ou faculdades privadas surgiram no Brasil, o que certamente melhorou o acesso de brancos e não-brancos ao ensino superior. Muitas pessoas contestam a qualidade do ensino destas faculdades esquecendo-se de que: (i) nem todo curso de uma universidade pública tem a mesma qualidade, seja comparando-se apenas as universidades públicas ou incluindo-se as privadas na amostra; (ii) muitos que fazem esta crítica estão em ONGs cuja qualidade dos serviços, quando questionada, gera protestos violentos, exceto quando o problema toma proporções criminosas.
Alguns, como João P. Stédile, não parecem estar preocupados com a dicotomia “negros-brancos”. Em declaração à imprensa, defendendo o repasse de verbas para movimentos como o seu e o MLST, disse: “O Estado brasileiro está financiando a burguesia. Então o que temos de debater não é o ‘conveninho’, é um novo projeto para o Brasil” [O Estado de São Paulo, 10.06.2006, p.A-4].
Imagino que a burguesia, em sua visão, é um conceito claramente definido. Logo, se ele apóia políticas públicas de ação afirmativa ao mesmo tempo em que combate a burguesia, provavelmente imagina que negros sejam apenas pobres o que discrimina tanto negros ricos como brancos pobres. Alguém concorda com isto?
A importação brasileira da tecnologia norte-americana de se fazer políticas de ação afirmativa também me faz pensar em um problema diferente, o da falta de consideração pelos indivíduos. Não se quer uma Rosa Parks. Não se deseja um Martin Luther King. A inexistência de indivíduos que se destacam na sociedade é um símbolo da forma não-liberal como boa parte da sociedade encara qualquer problema. Ninguém deseja arcar com a responsabilidade individual de seus atos e, portanto, ninguém deve fazê-lo. “Nada de Luther King! Nada de Parks! O que precisamos”, dizem estas pessoas, “é de uma política social implementada por… movimentos sociais, pelo… Estado, em prol dos…. negros”. Por que tanta ênfase no “plural” e no “coletivo”?
Se esta visão “coletivista” que fala de “burguesia” - ou de qualquer outra entidade que não possa existir individualmente - fosse tão útil, as pessoas jamais poderiam ligar a televisão e admirar a habilidade de Ronaldinho (Gaúcho), mas apenas a “da seleção”. Aliás, no futebol não existe política de ação afirmativa. Existe, sim, a constatação de que pessoas saudáveis podem desenvolver ao máximo seu potencial esportivo. Quer diminuir a discriminação na sociedade? Combata a pobreza. Talvez o segredo esteja aí: existem formas de competição institucional úteis para diminuir a discriminação. Veja-se o caso da política de vouchers. Por que não se pode tentar algo similar no Brasil? Porque aqui não é os EUA? Se este é o argumento, então devemos banir as políticas de ação afirmativa. Ah, não é? Então que tal discutir melhor as opções?
Fonte: http://institutomillenium.org/2006/07/05/o-outro-lado-das-politicas-de-quotas-raciais/